20 de jan. de 2014

O tempo e as jabuticabas



Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui pra frente do que já vivi agora.
Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas: as primeiras, ela chupou displicente, mas percebendo que faltavam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lhe dar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo.
Não quero que me convidem para eventos de fim de semana com a proposta de abalar o milênio.
Já não tenho para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de "confrontação", onde "tiramos fatos a limpo".
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: "as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos."
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.
O essencial faz a vida valer a pena.

Rubem Alves

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Tempo: o que não se pode comprar nem roubar, nem emprestar. Algo que passa desapercebido durante muitos anos; que é jogado fora, roubado de nós mesmos muitas vezes por nós mesmos... Mas está na própria estrutura do ser humano, do que lhe é mais fundamental, que nos desperta para a vida quando podemos reconhecer sua efêmera existência.

Evelin Pestana - Reflexões da Psicanálise



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